Psicanálise e Neurociências: visões antagônicas ou compatíveis?
DOI:
https://doi.org/10.71101/rtp.49.99Palavras-chave:
psicanálise, psicanálise e neurociência, ética, clínica, sujeitoResumo
A direção atual de se enxergar manifestações psíquicas como sendo, primordialmente, manifestações biológicas, tem suscitado críticas à psicanálise. Esta última é muitas vezes vista como um tratamento de menor importância quando comparada a terapias medicamentosas e comportamentais. sicanalistas respondem apontando para a necessidade de se garantir um lugar para a singularidade de cada sujeito, em vez de uma normatização coletiva de subjetividades. Freud, embora sustentasse um projeto de ciência, afastou-se da medicina de sua época ao ver sintomas que não eram explicáveis pela biologia. Hoje, enquanto alguns defendem a atualidade das ideias de Freud, outros anunciam seu fim, argumentando que o próprio Freud cogitou que futuras evoluções no saber sobre o cérebro poderiam tornas suas ideias obsoletas. Este artigo apresenta uma reflexão sobre qual o possível lugar da psicanálise diante dos avanços da biologia atual. Entre autores a favor de uma articulação com as neurociências e autores que veem esse diálogo como um contrassenso, abordamos alguns achados neurocientíficos que se alinham às ideias de Freud; o contexto cultural que faz com que explicações fisicalistas sejam privilegiadas; a dificuldade de se entender o fenômeno mental como sendo restrito à atividade cerebral; e os pressupostos técnicos e terapêuticos da psicanálise. Ao
final, refletimos sobre o que poderia ser um diálogo que respeite as especificidades de ambos os campos.
The current direction of seeing psychic manifestations as being primarily biological manifestations has sparked criticism towards psychoanalysis. The latter is often seen as a treatment of minor importance when compared to drug
and behavioral therapies. Psychoanalysts respond pointing out the need to secure a place for the uniqueness of each individual rather than a collective standardization of subjectivities. Even though Freud pursued a science project,
he took distance from the medicine of his time when he faced symptoms that could not be biologicaly explained. Today, as some argue the relevance of Freud's ideas, others announce their end, arguing that Freud himself wondered
whether future developments in the knowledge about the brain could make his ideas obsolete. This article presents a reflection on the role of psychoanalysis today, with all biology's advances. Among authors in favor of a connection
with neurosciences and authors who see this dialogue as pointless, we address to some neuroscientific findings that align with Freud's ideas; the cultural context that privileges physicalist explanations; the difficulty in understanding the mental phenomenon as restricted to brain activity; and technical and therapeutic assumptions of psychoanalysis. Finally, we reflect on what could be a dialogue that respects the specific characteristics of both fields.
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