Uma nova voz, um novo olhar: armadilhas da formação humorística
DOI:
https://doi.org/10.71101/rtp.55.530Palavras-chave:
humor, supereu, gozo, desejoResumo
O estudo sobre os tipos de comicidade, em especial o humor, preocupou os românticos e influenciou os estudos no começo do século XX. Freud, influenciado e influenciando esse contexto, escreveu duas obras que tratam da temática. Neste artigo, o tema humor leva a algumas discussões: o riso humorístico como o emolduramento do afeto e o efeito da fala afável do Supereu para essa formação. Entender a plástica representada pelo riso humorístico leva a considerar que esse processo reúne duas possibilidades de armadilha, que podem se constituir tanto por via da pulsão invocante quanto da escópica. A primeira, pela fala afável e consolatória do Supereu, parece funcionar como um doma-voz; a sonoridade dessa fala oferta um novo lugar que não apenas o do imperativo mortífero. A segunda armadilha seria o riso humorístico, o qual pode-se pensar como um doma-olhar. O riso contido que emoldura a sensação de travessura frente ao risco enfrentado, mesmo sabendo-se que esse desafio persiste para fora de sua borda, o que avizinha as lágrimas. Para pensar os efeitos das características estéticas e artísticas do humor, dois episódios da obra Dom Quixote de La Mancha são tomados como ilustração. Os trechos do romance ajudam a pensar como o riso, pela sua expressão imagética e sonora, pode emoldurar os afetos ou trans-bordar em excesso. Essa compreensão estética ajuda a situar o seu alcance, que tanto pode ser o compartilhamento do prazer ou a reafirmação solitária do gozo. Assim, o sorriso humorístico pode funcionar como uma armadilha para o afeto, o emoldura revelando, contidamente, que aquilo que aterroriza pode ser enfrentado, mesmo que não seja aniquilado; o resto é excesso. Portanto, mesmo que de forma arriscada, o humor é capaz de construir o discurso da falta, que remete o sujeito ao seu desejo.
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