Uma nova voz, um novo olhar: armadilhas da formação humorística

Autores

  • Laene Pedro Gama Universidade de Brasília/Departamento de Psicologia Clínica e Cultura
  • Jean- Michel Vives Université Côte d’Azur
  • Ana Magnólia Bezerra Mendes Universidade de Brasília/Departamento de Psicologia Social e do Trabalho
  • Daniela Scheinkman Chatelard Universidade de Brasília/Departamento de Psicologia Clínica e Cultura

Palavras-chave:

humor, supereu, gozo, desejo

Resumo

O estudo sobre os tipos de comicidade, em especial o humor, preocupou os românticos e influenciou os estudos no começo do século XX. Freud, influenciado e influenciando esse contexto, escreveu duas obras que tratam da temática. Neste artigo, o tema humor leva a algumas discussões: o riso humorístico como o emolduramento do afeto e o efeito da fala afável do Supereu para essa formação. Entender a plástica representada pelo riso humorístico leva a considerar que esse processo reúne duas possibilidades de armadilha, que podem se constituir tanto por via da pulsão invocante quanto da escópica. A primeira, pela fala afável e consolatória do Supereu, parece funcionar como um doma-voz; a sonoridade dessa fala oferta um novo lugar que não apenas o do imperativo mortífero. A segunda armadilha seria o riso humorístico, o qual pode-se pensar como um doma-olhar. O riso contido que emoldura a sensação de travessura frente ao risco enfrentado, mesmo sabendo-se que esse desafio persiste para fora de sua borda, o que avizinha as lágrimas. Para pensar os efeitos das características estéticas e artísticas do humor, dois episódios da obra Dom Quixote de La Mancha são tomados como ilustração. Os trechos do romance ajudam a pensar como o riso, pela sua expressão imagética e sonora, pode emoldurar os afetos ou trans-bordar em excesso. Essa compreensão estética ajuda a situar o seu alcance, que tanto pode ser o compartilhamento do prazer ou a reafirmação solitária do gozo. Assim, o sorriso humorístico pode funcionar como uma armadilha para o afeto, o emoldura revelando, contidamente, que aquilo que aterroriza pode ser enfrentado, mesmo que não seja aniquilado; o resto é excesso. Portanto, mesmo que de forma arriscada, o humor é capaz de construir o discurso da falta, que remete o sujeito ao seu desejo.

Biografia do Autor

Laene Pedro Gama, Universidade de Brasília/Departamento de Psicologia Clínica e Cultura

Doutoranda do Departamento de Psicologia Clinica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Mestre do Departamento de Psicologia Social, Trabalho e Organizações da Universidade de Brasília . Integrante do Grupo de Pesquisa Subjetivação, Clínica e Cultura: do moderno ao contemporâneo, Integrante do projeto de pesquisa Os Arquivos do cinema, entre a adaptação e a reescrita - CNPQ. Fundadora e Coordenadora do Projeto Práticas em Clinica do Trabalho 2015-2019 no Centro de Atendimento, Ensino e Pesquisa - CAEP/UnB . Psicóloga da Universidade de Brasília. Atua e pesquisa na área de Psicologia, com ênfase na psicanálise e modos de subjetivação e singularização em suas dimensões clínicas e culturais, perpassando o estudo de expressões teóricas, filosóficas e estéticas (plásticas e literárias). As principais áreas de concentração são: Psicanálise, Processos de subjetivação: pulsão, arte e cultura.

Jean- Michel Vives, Université Côte d’Azur

Psicanalista e professor de Psicopatologia Clínica na Universidade Côte d’ Azur (França). É membro do movimento Insistance em Paris e do Corpo Freudiano – RJ (Brasil). Pesquisa sobre a dimensão pulsional da voz e a gestão social do gozo a ela associado. Interessa-se pela teorização dos desafios psicológicos da prática teatral. Participou, como dramaturgo, de inúmeras encenações teatrais e óperas.
Ministra, regularmente, cursos e conferências em universidades de Nova York, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Toronto. Seus artigos foram publicados em várias línguas. No Brasil, Jean-Michel Vives publicou os livros A voz na clínica psicanalítica (Contracapa 2012), Variações psicanalíticas sobre a voz e a pulsão invocante  (Contracapa 2018) e A voz no divã (Aller Editora 2019).

Ana Magnólia Bezerra Mendes, Universidade de Brasília/Departamento de Psicologia Social e do Trabalho

Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora do Núcleo Trabalho, Psicanálise e Crítica Social na UnB e líder do Grupo de Pesquisa. no CNPq. Membro Associado permanente no Centre de Recherche sur le Travail et le Développement (CRTD) na equipe de Psychosociologie du Travail et de la Formation do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM, Paris). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da Faculdade de Direito da UnB. Pós-Doutorado em Psicopatologia Clínica na Université de Nice-Sophia Antipolis e Estágio Sênior no Freudian-Lacanian Institute Après-Coup Psychoanalytic Association em parceria com a School of Visual Arts, New York (EUA). Doutorado em Psicologia pela UnB e sanduíche na Universidade de Bath, Inglaterra, mestrado e graduação em Psicologia. 

Daniela Scheinkman Chatelard, Universidade de Brasília/Departamento de Psicologia Clínica e Cultura

Professora Titular e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura , Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília. Coordenadora (2010- 2013 do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura (2010- 2013), Coordenadora do Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica do IP/UnB. (2010-2013) e professora do mesmo curso (2000 -2013). Coordenadora do Laboratório de Psicanálise e Subjetivação do Departamento de Psicologia Clínica. (2010 -2018). 

Atua na linha de pesquisa Psicanálise, Subjetivação e Clínica. Experiência na área de psicologia clínica, nos seguintes temas: psicanálise, processos de subjetivação, teoria e clínica psicanalítica, feminilidade, cultura, estética, literatura e arte. 

Líder de Grupo de Pesquisa Subjetivação Clínica e Cultura, do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq.  

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2023-01-04

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Artigos