Acolher a diferença: a função da bissexualidade psíquica na construção da subjetividade
DOI:
https://doi.org/10.71101/rtp.52.283Palavras-chave:
bissexualidade psíquica, diferença, feminino, masculino, subjetividadeResumo
O presente artigo tem como objetivo explorar a relevância metapsicológica e a atualidade da noção de bissexualidade psíquica, presente na psicanálise desde sua origem e considerada por Freud fator decisivo da sexualidade humana. Embora retomada pelos sucessores de Freud e sempre mencionada no debate psicanalítico contemporâneo, esta noção permanece hoje com a complexidade e ambiguidades teóricas evidenciadas no texto freudiano. Fato que parece reforçar as resistências ao conceito, amplificadas nas discussões sobre as diversidades sexuais e de gênero e na crítica ao dualismo freudiano. Pretende-se neste estudo apresentar a bissexualidade psíquica como um conceito fundamental e ordenador dos processos de subjetivação e do reconhecimento da alteridade. Para tal, realizamos um percurso pelos textos de Freud e seus desdobramentos teóricos, seguindo a trilha de psicanalistas que procuraram novas leituras para o enigma da bissexualidade. Destacamos as ideias de Winnicott e Bion, autores que buscaram um diálogo entre a teoria pulsional e a das relações de objeto como solução para as ambiguidades teóricas deixadas por Freud. Resgatamos, desse modo, nossa aposta de que a bissexualidade, para além de uma disposição constitucional, inscreve-se no psiquismo originário através da relação do sujeito com seus objetos primários e tem função organizadora nos processos de subjetivação, na medida em que abre caminho para a coexistência desses objetos na vida psíquica.
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